sábado, 2 de maio de 2009

Confesso


Depois de um longo e tenebroso inverno, cá estou, trazendo novidades até vocês!

Os dias estavam ficando normais, e até mesmo monótonos, ou não sei se eu é que estava em uma fase moderninha demais e que nada do que antes me deixava feliz conseguia me trazer nem ao menos o cheiro da antiga alegria.

Ficava horas à toa, até chegar o bendito momento de ir pra faculdade, e mesmo lá, em um lugar onde o que eu deveria fazer era aprender e encher minha fútil cabeça de cultura, uma cultura selecionada por mim, ainda assim eu continuava com esse ar blasé, de dono da verdade, da razão e da situação.

É claro que acho isso totalmente errado, e se estou fazendo essa análise clinica, crítica e patológica é por que decididamente estou de saco cheio de mim mesmo.

E isso de maneira alguma é motivo para que eu tente (mais uma vez) o suicídio.

Foi na sétima série que tudo aconteceu, estava em uma fase da adolescência onde os hormônios estão em fúria, mas é claro que isso não explica nenhuma insanidade que um adolescente possa cometer, e eu não estou tentando justificar a minha insanidade mor, usando as bobeirinhas que a galerinha pratica (sadiamente) na melhor fase da vida. (sei que muitos têm N teorias sobre qual é a melhor fase da vida, pra mim, por enquanto, é a adolescência.)

Eu lembro muito bem como foi aquele dia 04 de março de 2001, estava um calor insuportável, as pessoas derretendo na rua, e um sorvete de passas ao rum fazendo o mesmo na minha blusa do colégio.

Antes desse episódio do sorvete, eu estava em casa, minha mãe havia mexido nas minhas coisas, e tinha encontrado uma prova de matemática bem vergonhosa, eu lembro que era álgebra, é exatamente na sétima série que eles nos avisam que não é apenas com números que as contas podem ser feitas, é na sétima série que se divide a então única matemática em duas insuportáveis matemáticas, essa mutação alienígena acaba com a cabeça de qualquer pessoa que não consegue de forma alguma ter uma relação amistosa com essa matéria nazista.

Enfim, a Álgebra acabou com a minha vida, e quase que a danada fez isso literalmente. A Geometria era até um pouco mais legal comigo, mesmo ainda assim sendo uma chata.

Minha mãe mexeu nas minhas coisas, como eu já havia dito, e encontrou a tal prova, eram 7 questões e que eu havia acertado apenas 2 ou teria sido uma? Não lembro ao certo, tudo o que consigo me lembrar é que por causa da tal álgebra, um circo foi armado aqui em casa.

Minha mãe e meu pai viraram dois leões, eu fiquei no meio do picadeiro como um palhaço acuado, até que os gritos foram aumentando, e cada vez mais eu me sentia a pequenina foca no canto da sala, não houve agressão física, mas por pouco eu não tomava uns sopapos.

Enfim, aquilo pra mim foi à gota d’agua, na verdade aquilo foi apenas um pretexto pra poder por em prática um desejo que eu sentia desde pequeno.

Que coisa louca, mas é verdade, eu sempre tive dentro de mim, não sei se vou dizer curiosidade, vontade, desejo, intuito, ou uma adorável adoração em querer morrer!

Cruzes!

É verdade, algo me levava a ter esses pensamentos, e peço, por favor, aos religiosos de plantão que guardem para si todas as teorias sobre possíveis espíritos maldosas que rondavam minha mente naquele período nebuloso.

Não tinha uma explicação concreta pra aquilo, pelo menos eu o mais interessado e refém daquela situação não tinha.

Mas voltando ao sorvete que sujava minha camisa, então, sai de casa depois daquela briga tão comum em um monte de famílias por causa de uma nota baixa no colégio, com a impressão de que eu tinha a pior família, e de que era uma pessoa muito infeliz, e que o mundo ficaria muito feliz sem mim, e que eu era um boçal, e que não dava alegria pra ninguém e blá, blá, blá. Um monte de justificativas frustradas que os suicidadas tentam usar quando comentem a burrice de concluir de fato, a atrocidade que dá nome ao ato criminoso que ele comete contra si mesmo (rola até uma piada, anedota, enfim, uma frase dessas que todos conhecem, mas que ninguém sabe de fato quem é o autor, “Se ele é capaz de fazer isso com ele, imagina o que não faria comigo?)”.

Sai de casa aquele dia com raiva do mundo, mais raiva ainda do que toda a raiva que eu acumulava dentro de meu ser, fui até o centro, e fiquei andando sem rumo, já tinha tudo em mente, ia até um vendedor que sempre ouvia gritando na rua.

- Chumbinho, mata o rato e seca o rato! 2 R$.

Eu sabia também que esse produto altamente danoso aos roedores não podia ser vendido para crianças, mas ainda assim olhei bem pra cara do sujeito e pedi.

- Senhor me dá um frasco?

- Ele me olhou dos pés a cabeça, me deixando muito desconfortável, por dentro eu imaginava o por que daquele cara me olhar daquela forma, naquele meu momento de insanidade tive uma louca certeza que ele gostaria de guardar pelo menos uma ultima imagem minha.

- Eu não posso vender isso pra você.

Disse ele sussurrando.

- Mas não é pra mim, é pra minha mãe, disse eu sussurrando também.

- Ah, ta, se é pra ela, então me responda: “ela te disse quanto era o preço.”

Disse ele falando mais baixinho ainda.

Eu olhei pra cara daquele cara, que tinha os cabelos crespos, e a pele do rosto bem envelhecida em decorrência do exagerado sol que leva vendendo seus “produtos”. Olhei para as unhas dos pés, tão limpas quanto as águas do Tietê, olhei para o jeans imundo, e a camiseta de política ( ou seria politicagem?) que vestia.

Acabei respondendo baixinho.

- Disse, sim, ela me disse que era 2, 00 R$.

- Ah, então é verdade sua. Disse ele aumentando um pouco o tom de voz, e saindo dos sussurros para um falar baixinho.

Assim que dobrei a esquina com o frasco de veneno para roedor no bolso, ainda pude ouvir.

- Chumbinho, mata o rato e seca o rato! 2 R$.

Peguei uma Kombi dessas que no Rio rodavam aos montes fazendo às vezes de transporte alternativo, desci na porta do colégio, minha blusa que deveria estar branca, era de um amarelo melado, o sorvete havia feito um verdadeiro estrago.

Subi correndo e consegui chegar a tempo no 2º tempo de português, a professora Glória quase não me deixa entrar, mas acabou concordando com uma cara bem feia que eu sentasse em meu lugar.

E foi o que fiz meio que correndo, fiquei olhando tudo pela ultima vez, os cabelos brancos da professora Glória, os óculos grandões que ela usava, o cabelo curtinho com um monte de fios brancos, a sala que ela dividia com a professora Neliana também de português, totalmente mulherzinha, cheia de paninhos e babados, observei tudo o que podia pela ultima vez.

Foi ai que bati meus olhos no Léo, olhei bem pra ele, comecei a procurar defeitos, qualquer coisa que o me deixasse com bastante raiva dele e que me fizesse sentir ódio mortal, e que isso servisse como mais uma justificativa para o que eu estava preste a fazer.

- E ai Rodrigo, chegou atrasadão hein cara!

O suor me consumia mais que o normal, limitei-me a responder com a cabeça indicando qualquer sinal.

- Por que se ta suado e sujo desse jeito?!

- Hã?

- É, olha tua blusa cara, aconteceu alguma coisa? Posso te ajudar?

- Não cara, ta tudo bem, se preocupa não! Isso aqui foi o sorvete, nada de mais...

Ele pousou aqueles olhos avelãs em mim, ficou um bom tempo me olhando com uma espécie de dó intuitivo, abaixei a vista e fitei a beleza abstrata que o chão cheio de papel de bala, ponta de lápis e bolinhas de papel cultivava.

Decidi que não podia esperar muito, que não era hora de me acovardar, pedi a professora Glória para ir ao banheiro, ela me deu um olhar de interrogação, na verdade era um absurdo eu ter chegado na metade da aula e ainda querer ter o luxo de achar que tenho algum direito sobre minhas necessidades fisiológicas.

Depois de um incomodo e longo contato visual ela permitiu que eu fosse ao banheiro.

Antes de qualquer coisa lavei meu rosto naquele imenso tanque de louça antigo, cheio de torneiras e nomes pichados pelos alunos.

Fiquei algum tempo olhando o movimento que à água fazia enquanto batia nos ladrilhos e ia para o ralo.

A iluminação do banheiro era meio precária, e toda a luz que entrava, vinha da janela que tinha bem no canto da parede, procurei o vidro com as bolinhas assassinas em meu bolso, fitei aquelas minúsculas partículas dentro do pote branco que parecia com os compartimentos que antigamente guardavam filmes fotográficos. Coloquei uma boa quantidade nas mãos, olhei meu rosto refletido no tanque, e ingeri.

Deixei um tempo na boca sem engolir, o gosto de ferro era insuportável, de repete, desisti subitamente daquela loucura, cuspi tudo na pia, e bebi bastante água, talvez por isso consegui sentir que havia engolido uma boa parte da quantidade que estava em minha boca.

Voltei pra sala, quinze minutos depois, logo que entrei tocou o sinal do intervalo entre as aulas. Desci junto com a turma, e o Léo insistindo que havia acontecido algo comigo, e tudo o que fazia era me limitar a dizer que estava tudo bem.

Comprei um guaraná natural, sentei em um canto qualquer e comecei a pensar na besteira que há pouco tempo queria cometer.

Alguns minutos depois voltamos pra sala, sentei me ao lado do Léo como sempre.

Olhei bem nos olhos dele, que permaneceu este contato por um tempo, mas depois desviou.

Olhando pra frente, comecei a conversar com ele.

- Sabe, aconteceu sim uma coisa.

- O que foi? Fala!

- Eu tomei chumbinho.

Gargalhadas, algumas batidas na mesa, e um...

- Para de graça Digo, presta atenção na aula.

Minha reação foi ficar mudo.

Prestei bastante atenção nas palavras do professor Américo.

Até que veio o segundo pedido para ir ao banheiro, tinha tudo para o professor dizer não, já que tínhamos acabado de chegar do intervalo, e a política do colégio era totalmente severa com alunos circulando a toa pelos corredores.

Foi então que recebi mais um de meus incontáveis “SIM” daquele dia.

Fui até a secretaria e disse que estava passando mal.

Cheguei na imensa secretaria, um monte de mesas distribuídas frente a frente, pessoas trabalhando e não levantando o rosto por nada totalmente submersos em pilhas de papel e telas de computadores.

Caminhei até a ultima mesa, aquela do diretor, olhei bem em seus olhos, e disse.

- Hamilton, acho que estou meio indisposto,

Ele riu meio sarcasticamente.

Ainda existem pessoas que pensam que jovens não tem indisposição, em seu discurso e pensamento limitado tem certeza que um adolescente apenas pelo fato de não trabalhar não tem o por que de estarem estressados ou de saco cheio do mundo.

- Indisposto? E o que seria isso? Excesso de trabalho?

Essa frase veio cheia de sorrisinhos, tudo o que eu queria era que aquele cara me ignorasse e começasse a mexer em seus papéis, que me mandasse sentar em alguma cadeira e ficasse ali quietinho sem o importunar com minhas sandices.

Mas não, ele ficou brincando com seus óculos e me observando atentamente...

Por longos segundos...

- Acho que deve ser apenas uma dor de cabeça.

- É acho que deve ser isso. Disse ele mandando eu me sentar em qualquer cadeira e voltando a fazer as coisas que ele deveria fazer ao invés de querer descobrir possíveis planos suicidas na cabeça de seus alunos.

Sentei me, esperei, olhei para o relógio, mexi nas coisas, li anúncios, levantei, sentei novamente, abri e fechei a bolsa, até que meus músculos começaram a tremer, tremer muito, primeiro foram meus braços, era uma sensação estranha, parece que tinham ratos muito grandes andando em mim, depois foram às pernas, e ai o corpo todo se movia como um imenso e magro liquidificador, mas o pior disso tudo, era que só eu sentia isso, as pessoas não percebiam e nem viam o imenso liquidificador que eu havia me tornado, e de repente eu pensei qual seria a graça de ser um liquidificadorzão, se ninguém ouvia todo o barulho que eu conseguia fazer...

Talvez pelo ódio que aquele desprezo todo me causou, comecei a vomitar toda a sala, arremessei longe minha mochila, o vomito vinha como uma cascata, minha barriga doía muito, uma dor insuportável, mas que eu suportei, as pessoas começaram a ficar desesperadas, o diretor me olhou com medo, o único olhar que eu dirigi a ele foi “ me ajude”!

Levaram-me até o limpo e branco banheiro dos professores, tomei um banho e fiquei alguns minutos debaixo d’agua.

Até que fiz um pedido aos céus, eu não sabia rezar, meus pais são ateus, eu nunca quis rezar, mas não faço idéia de como o “Pai Nosso” era balbuciado por mim, até que uma luz entrou no banheiro, sei que pode parecer loucura, mas é a mais pura verdade, eu fiz um pedido, e nesse tempo um vento quente e uma luz forte tomou conta do banheiro dos mestres.

Não senti medo, e naquela hora, não estava acontecendo nada extraordinário para mim.

O léo entrou correndo e chorando, disse que não tinha acreditado em min, contou para todos da sala, eu desmaiei, todos os alunos foram liberados, fui para o hospital com o diretor, uma inspetora chamada Dona Conceição, outro chamado Seu Zé, e o Léo e uma amiga nossa chamada Milena, não lembro de muita coisa que me disseram no carro, só sei que perguntavam se eu havia ingerido veneno, e com a cabeça e a boca espumando, disse que sim.

Entrei no hospital, e quando acordei meu pai estava lá, minha mãe recém operada do câncer no seio nada sabia, de repente uma enfermeira grossa, enfiava uma borracha verde em meu nariz, e meu deus, como aquilo doeu, fiquei 3 noites no hospital, algum tempo sem ir para a escola, sendo visitado muitas vezes pelo léo...

Visitas constantes a psicóloga, milhões de perguntas sobre o relacionamento com meus pais, tentativas frustradas de saberem o por que deu ter tentado por fim em minha vida, é óbvio que a história da prova de álgebra não colou, mesmo sendo ruim em matemática eu tinha notas boas, parecia que a psicóloga de nome Assíria, tinha certeza que havia outros motivos que me levaram a fazer aquilo.

Fiquei um ano me consultando, um ano inteiro, nesse ano as pessoas pararam de me olhar e de perguntarem o por que deu ter feito aquilo, esqueceram, é claro que sempre tinha algum inconveniente que tocava no assunto, ou ficava me olhando com medo como se eu fosse louco,

Consegui contar pra vocês um segredo que nenhum de meus novos amigos sabe, enfim, liberdade...

12 comentários:

  1. Nossa RO....


    VocÊ é muito corajoso em contar isso pra gente!


    Te amo cada vez mais, mesmo sem conhece-lo

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  2. Oi, garoto!!! Sei exatamente o que você passou, já vivi uma história como essa, apenas parei um pouco antes que você! Mas eu cheguei a fazer um bilhete suicida, acusando meus pais de serem tão maus, já que não me deixaram sair na noite de sábado, nos meus 12 anos! hehehe. Tmabém tinha uma nota baixa envolvida na história (geografia)e eu só poderia sair se estudasse no fim de semana, e ela e meu pai "tomariam a lição". Mas depois de passar com louvor pelos meus pais, eles simplesmente não deixaram!!! E eu estava de paquerinha, e quase namorando! Aquilo, pra mim, foi o fim! Eu ia cortar os pulsos. Depois de parar de chorar, me levantei e fui pra cozinha, peguei a maior faca que tinha na gaveta e... olhando meu reflexo, pensei que se eu morresse, poderia reencarnar(eu acreditava nisso)de novo, numa família pior ainda (coitados, são maravilhosos e os amo de paixão, mas não me sentia assim, naquele momento) e ter que começar tudo de novo, e ser criança de novo, e não poder fazer o que eu quisesse!!!. Então, eu soltei a faca e me virei de costas e fui pro meu quarto assistir TV, e não falei com meus pais pro uma semana. Ele ficaram disisperados e no fim de semana seguinte, eu já estava namorando e pude sair! hehehe E todos viveram felizes para sempre! hehehe

    beijos
    Clau

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  3. cara gostei muito dessa historia!

    quando você vai escrever mais?

    e por que você não escreve um livro? você é um ótimo autor!

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  4. hey Digo, como que o Léo tá na história sendo que, quando você começou a postar essa história de vocês, você contou que conheceu o Léo na sua festa deaniversário, e você tinha 16 anos?!

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  5. ''Conheci o Léo, quando fiz 16 anos e ele foi com uns amigos em comum no meu aniversário!Eu tava lá todo bêbado zuando com os amigos, de repente ele chega e vem me dar feliz aniversário, eu achei estranho, mas até ai tudo bem, o cumprimentei, e ele disse.- Parabéns cara!- Pô cara valeu!- Você deve estar pensando, quem é esse maluco que eu não conheço?Eu ri, exageradamente, talvez pela bebida, ele riu também.- É cara, Eu estou até pensando sim, você veio com algum colega meu?- Então cara, eu to estudando lá no João Paulo (o colégio em que eu estudo), e to na sua classe desde segunda feira...''

    É mesmo Digo seria desde SEGUNDA FEIRA ou SÉTIMA SÉRIE que ele estava na sua classe? ¬¬'

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  6. pode crre digooo explica isso aii!

    abraço

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  7. aiaiai... você nem posta mais como ta o relacionamento de vocês e ainda desanda a historia!
    sei não em..

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  8. é tudo mentira, obra de imaginaçao. Coisa q queria q acontecesse, ai inventa. E voces bobos ainda acreditam em tudo. Sim, é um bom livro, como toda historia, inventada.

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  9. Ai Rodrigo, você é o máximo. Sorte do Léo, do seu Pai e de todo mundo que pode conviver com você... Tentei fazer outra histórinha fictícia no BBM mas este seu relato de quase suicídio acabou com o meu sarcasmo. Escreva mais por favor!

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  10. voces sao idiotas!!
    é tudo mentira!!

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  11. Historia ou não tenho certeza que ninguem se daria ao trabalho de vir até aqui e ler tudo isso se não houvesse interesse!

    Nunca tentei fazer isso, mas já pensei algumas vezes, acho que não tive coragem ou motivo forte o suficiente!

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